Como fazer uma rabeca ou bate papo com Mario Gato
A rabeca é um instrumento musical antigo. De origem árabe, precursora do violino, a rabeca é popular. Do Nordeste ao Sudeste do Brasil, os rabequeiros são mestres artesãos que aprendem a fazer seu instrumento a partir de suas vivências nas festas das suas comunidades. Que o diga o caiçara Mário Gato, de Ubatuba, SP. Mestre rabequeiro e folião da Folia de Reis e do Divino, foi nos cortejos no território que tomou contato com a música e onde surgiu a vontade de aprender a fazer a rabeca. A paixão foi tanta que Mário Gato pesquisou formas bem antigas de se construir o instrumento.
Foi ao lado de Mestre Ricardo, caiçara de Ubatumirim, nos anos 2000,que ele teve acesso ao aprendizado da feitura cavada na madeira, ou cocho. Com a madeira caxeta, conhecida por ser fácil para trabalhar com uma faca afiada, o processo fica um pouco mais fácil. “Mas é um trabalho de paciência”, avisa Gato, tem que ser realizado sem pressa. “E antigamente não tinha corda de arame, isso não existia. Então a gente tinha que fazer com a corda do tucum. Essa corda era retirada da folha da palmeira. A mesma corda era utilizada para fazer a rede da pesca.”
A fibra era retirada da folha, o mestre “acochava” na espessura desejada e com a tripa de algum animal, “naquela época caiçara se alimentava de caça”, passava a fibra por dentro da tripa, amarrava a corda em local alto e na outra ponta amarrava uma pedra, para “esticar” ou até “abracar” a corda. Os caiçarinhas ainda aproveitavam o coquinho do tucum para mascar. “Hoje em dia a criançada masca chiclete, naquele tempo a gente mascava o coquinho de gosto azedo. E levava bronca da professora porque deixava os coquinhos mastigados debaixo das carteiras”, lembra Gato.
E para colar o instrumento? Gato conta que a cola era extraída de um tipo de orquídea, o sumaré ( pronuncia-se sumarê). “É uma orquídea que dá na costeira, é muito comum na Mata da Atlântica”, explica o rabequeiro. Ela tem um caule longo e grosso, e os antigos colocavam na brasa do fogão a lenha, quando ela amolecia cortavam ao meio e tiravam a seiva, que funcionava como cola para o tampo, o arco e o que mais necessitasse colar na casa do caiçara. O arco era feita da fibra do caraguatá. Os frutos eram colocados numa gamela com água, que apodreciam e aí sobravam só as fibras. “Era um trabalho demorado, com paciência, era outro tempo. O povo não tinha patrão, só tinha compromisso com o mar, com a roça”, explica Gato E quanto tempo dura uma rabeca? “O Jorge, lá da Praia do Cedro, tem uma rabeca de 70 anos mas eu já tive várias... A gente sai para as festas, toma umas cachaças... Já fui resgatar a minha rabeca no meio do mar da praia do Bonete... Então depende mais do rabequeiro que da rabeca”, conta rindo Mario Gato.