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Com a palavra, Mestras e Mestres das Culturas Populares do Brasil


Brasília sediou entre os dias 9 a 12 de Maio, o 1º Encontro de Mestres (e Mestras) do Brasil. O objetivo dos organizadores era garantir a troca de saberes entre 20 Mestres e Mestras de diferentes Estados. O que aconteceu foi um poderoso encontro com Mestras e Mestres das Culturas Populares antenados com as possibilidades de reconhecimento que a sociedade brasileira pode usufruir em espaços diversos como escolas, universidades, pontos turísticos, ou brincar nos territórios das comunidades e povos tradicionais.


Além da mesa de abertura que contou com as presenças da secretária de Cidadania e Diversidade Cultural (SCDC-MinC), Márcia Rollemberg, o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, a deputada federal do PT Erika Kokay, Mestra Janja (BA), Mestre Paulão Kikongo (RJ), Chico Simões (DF) e João Lemos (AL), outras personalidades como Mestras e Mestres detentores dos saberes e fazeres ligados ao maracatu, bumba meu boi, congada, cavalo-marinho, aboios, samba de roda, carimbó, reisados, capoeira, samba de coco, se reuniram para ouvir gestores públicos, políticos e professores universitários nas Rodas de Prosas que aconteceram nas manhãs de sexta-feira e sábado.

As Rodas de Prosas realizadas nas tardes dos dias 10 e 11 de Maio, tiveram como tema levantamento de ideias e propostas para políticas públicas nas áreas das culturas populares e educação. Mestras e Mestres puderam contar, brincar, narrar, cantar seus Conhecimentos e produziram imagens, sons, palavras, conceitos que subsidiaram o conteúdo da Carta das Mestras e Mestres do Brasil aprovada no domingo, 12 de Maio, no espaço Eixo Cultural Ibero-americano (antiga Funarte),


As impressões desse encontro são muitas, mas agora a palavra é das Mestras e Mestres:


“Nós, Mestras e Mestres das culturas populares e tradicionais - aqui compreendidas como povos originários, povos de matrizes africanas, comunidades quilombolas e rurais, povos e comunidades tradicionais, culturas populares, patrimônios imateriais e culturas de periferias - desenvolvidas, preservadas e legitimadas em nossos territórios culturais e por nossas comunidades, reunidos em Brasília entre 9 a 12 de maio de 2024, durante o Encontro dos Mestres do Brasil, apresentamos à sociedade e ao Estado brasileiro diretrizes para a construção de políticas públicas de proteção e valorização de nossos conhecimentos, cosmologias, lógicas, expressões culturais, celebrações, modos de fazer, lugares e artes singulares.


O campo das culturas populares e tradicionais é caracterizado pela diversidade de tradições, modos de vida e linguagens. E, desta forma, na perspectiva apontada acima, há muitos sentidos do que é ser Mestra e Mestre.


Dentre nós, há Mestras e Mestres que são referências de conhecimento, outras no domínio técnico e criativo de práticas culturais, outros que são lideranças; outras, ainda, fundamentais nos processos seculares de transmissão de saberes. E há também os que são todas essas coisas juntas.


Cabe destacar aqui, a legitimidade e relevância do papel social exercido de modo precípuo, por Mestras e Mestres em nossas comunidades, onde consolidamos e ampliamos sentimentos de pertença e laços de solidariedade, por vezes só existentes nos nossos territórios em razão da nossa representatividade para a construção identitária em nossos diferentes espaços-tempos de vida em comum.


Para tornar-se Mestra e Mestre é preciso longa caminhada pelas trilhas dos conhecimentos inscritos nas memórias, nas práticas e na tradição. É preciso respeito e reverência a ancestrais, Mestras e Mestres que nos antecederam. É o tempo e a dedicação que nos forja, além do reconhecimento manifesto pelas próprias comunidades.


Dentre nós, há também Mestras e Mestres que se formam na originalidade, que são criados ou iniciados na tradição popular e, depois, que dedicam-se à elaboração de novas linguagens, abrindo caminhos nos campos das culturas, das artes e das brincadeiras populares.


Há Mestras e Mestres que têm atuação principalmente em suas comunidades e territórios socioculturais e há os que expandem fronteiras, criando novas comunidades por onde passam, ocupam espaços do ensino formal e não formal, circulam por palcos e espaços artísticos, mantendo, porém, lastros e responsabilidades com nossas ancestralidades.


Há Mestras e Mestres que são brincantes, há educadores e artistas, reis e rainhas, capitãs e capitães, contramestras e contramestres, treinelas e treineis. Há os que guardam os fundamentos da tradição dos povos originários, de matrizes africanas e de outros povos e comunidades tradicionais. Há também os que se tornam presidentes e diretoras de entidades que representam territórios e comunidades.


Nossas diversas compreensões de mundo material, imaterial e ancestral, modos de vida, artes e habilidades atravessaram séculos de história em nosso país, mesmo em espaços de marginalidade e de resistência. Aquelas que foram nossas Mestras e Mestres e muitos de nós, ainda hoje, sofremos proibições e perseguições, mas seguimos em segredo e lutando nas aldeias, nos quilombos, nas comunidades rurais e urbanas, nas periferias, nas ocupações e assentamentos. Quando finalmente nossas tradições e criações começam a ser reconhecidas e ganhar o mundo - como a capoeira, as cantigas e os gêneros das músicas populares e tradicionais e os conhecimentos da sociobiodiversidade - são recorrentemente apropriadas indevidamente por pessoas que não percorreram os caminhos que percorremos, por espaços de arte e de conhecimento que não nos incluem, não nos reconhecem e não nos valorizam devidamente.


Estamos em tempo de reparação e de transformação para garantir mundos mais justos. Tempos de cuidar das pessoas, da natureza e do planeta. Nós, Mestras e Mestres somos raízes e árvores que sustentam a terra e as águas. Precisamos de apoio para seguir semeando e plantando novas árvorespara o futuro. Precisamos de políticas públicas que deem conta de fomentar as formas diversas que sustentam nossos conhecimentos e experiências de transmissão.


Reafirmando as diversas propostas já aprovadas na IV Conferência Nacional de Cultura afeitas ao nosso segmento, apresentamos, assim, algumas diretrizes para a elaboração de políticas públicas municipais, estaduais, distritais e federais de cultura, educação e meio ambiente para Mestras e Mestres das culturas populares e tradicionais:


1 - Reconhecer as atuações e as experiências diversas de Mestras e Mestres no campo dos saberes tradicionais e das culturas populares por meio de uma edição especial da Ordem do Mérito Cultural, a maior honraria pública que um agente cultural de nosso país pode receber, incluindo no processo todas as Mestras e Mestres já premiados pelo Ministério da Cultura em editais.


2 - Criar o Livro do Patrimônio Vivo no âmbito da Política do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como previsto no § 3º, Art. 1º do Decreto 3551/2000, que instituiu o registro dos bens culturais de natureza imaterial e o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, conforme preconizam também as Diretrizes para a criação de sistemas nacionais de Tesouros Humanos Vivos, da UNESCO, 1993.

3 - Assegurar a extensão dos mecanismos de reconhecimento por Notório Saber para que Mestras e Mestres tenham status acadêmico e remuneração equivalente aos Professores Titulares das universidades públicas federais e estaduais.


4 - Intensificar os esforços políticos para aprovar e regulamentar Leis de Mestras e Mestres com categorias diversas de bolsas temporárias e vitalícias de apoio, considerando o tempo de experiência, assegurando que sejam priorizadas Mestras e Mestres a partir dos 50 anos, mas que também sejam apoiados jovens Mestras e Mestres de reconhecida e legitimada trajetória cultural.


5 - Promover a revisão dos currículos da educação básica para incluir Mestras e Mestres como educadores no contexto da educação formal, criando critérios específicos de seleção pautados pelas diversidades de epistemologias presentes nos territórios em que as escolas estão inseridas e realizar formação continuada sobre as Culturas Populares e Tradicionais para professores da educação básica com a participação de Mestras e Mestres.


6 - Criar políticas de proteção de direitos autorais, de direitos coletivos e difusos de caráter comunitário e de conhecimentos da sociobiodiversidade, permitindo que seus usos, quando autorizados, revertam em recursos para a continuidade de práticas e de conhecimentos das culturas populares e tradicionais.


7 – Criar, em caráter emergencial, o Comitê Técnico para a formulação e implementação do Plano Nacional para as Culturas Populares e Tradicionais no âmbito do Ministério da Cultura com diálogo e participação interministerial e com paridade da sociedade civil, garantindo assento para Mestras e Mestres.


8 – Retomar a realização dos Seminários Nacionais de Políticas Públicas para as Culturas Populares e Tradicionais a fim de promover o protagonismo de Mestras e Mestres na elaboração, implementação e avaliação de políticas que nos dizem respeito.


Recomendamos a interlocução com as políticas públicas municipais, estaduais, distritais e federais de turismo para garantir divulgação qualificada das diversas culturas, assegurando assim que todos os povos e culturas populares e tradicionais representadas por seus grupos e comunidades também sejam reconhecidos e valorizados."


Brasília, 12 de maio de 2024.


Mestra Ana Paula (AL), Mestra Claudete (PA), Mestra Chica do Pandeiro (BA), Mestre João Paulo (PE) Mestra Dina (CE), Mestra Janja (BA), Mestra Laine (SP), Mestre Dodô (CE), Mestre Paulão Kikongo (RJ), Mestre Poloca (BA), Capitão Benedito (DF), Rainha Ginga Francisca Dias (RS), Mestre Taata Mutá Imê (BA), Mestre Manoelzinho Salustiano (PE), Mestra Martinha do Coco (DF), Tamatatiua Freire (DF), Daraína Pregnolatto (GO), Chico Simões (DF), Guda Quixabeira (BA), Mestra Fernanda Machado (DF) e Contramestre João Lemos (AL) Ver playlist com a Abertura e quatro Rodas de Prosa do 1º Encontro de Mestres (e Mestras) do Brasil


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