top of page
Facebook
Flickr
Youtube

Notícias

A Lei dos Mestres e os desafios da Cultura Popular e Tradicional no Rio de Janeiro

Por Ivan Machado, Paulo Henrique Menezes (Mestre Paulão Kikongo) e Thereza Dantas


Em nossos dias, quando se pensa na salvaguarda de expressões culturais que nos identificam enquanto povo brasileiro e em um país de dimensões continentais como o nosso, há que se pensar também no longo caminho trilhado por indivíduos e entidades que, ao longo do tempo, vem buscando humanizar aquilo que anteriormente chamávamos de folclore. Uma prioridade nesse contexto de humanização do olhar sobre expressões de nossas tradições populares e tradicionais, é evitar o descolamento entre ensinamentos, técnicas, crenças, expressões estéticas e as pessoas que detém tais conhecimentos. Com isso se justifica um levantamento inicial, realizado pelo Centro de Cultura Popular da Baixada fluminense, em parceria com a Rede das Cultura Populares e Tradicionais e o Fórum das Culturas Populares e Tradicionais, que dá conta de levantar uma prévia de quantos são, onde estão e há quanto tempo atuam mestras e mestres de nossa cultura popular e tradicional fluminense. Nesse levantamento, esses coletivos tomam como referência marcos legais que tramitam no Legislativo, tanto na esfera estadual quanto federal.

 

Mestras e Mestres do Rio de Janeiro

Na cidade maravilhosa, o Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras do Patrimônio Cultural Imaterial das culturas populares, afro-brasileiras, indígenas, caiçaras e de outras comunidades e grupos tradicionais, o Projeto de Lei Nº 1829/2023, proposto pelo vereador Edson Santos (PT), o mesmo político responsável pelo PL das Mestras e Mestres das Culturas Populares no Congresso Nacional, e as vereadoras do PSOL Mônica Benício, Mônica Cunha e Luciana Boiteux, foi vetado na íntegra pelo prefeito Eduardo Paes, o mesmo que frequenta as rodas de samba com alegria, sendo esta frequência amplamente divulgada nas redes sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro.

 

Link do PL Nº 1829/2023

 

 

Há falta de entendimento, por parte dos gestores públicos, da importância desses mestres e mestras na vida dos brasileiros e brasileiras. Vetar integralmente o PL para Mestres e Mestras da cidade do Rio de Janeiro demonstra um desrespeito para com quem faz as Rodas de Samba, os Jongos, as Folias de Reis, as Rodas de Capoeira, a Moda e as Festas das Culturas Populares e Tradicionais.

 

Na resposta ao PL Nº 1829/2023 que instituía o Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras do Patrimônio Cultural Imaterial das culturas populares, afro-brasileiras, indígenas, caiçaras e de outras comunidades e grupos tradicionais publicada no Diário Oficial de 29 de Novembro de 2023, a justificativa é que essa “é uma atribuição do Prefeito”, àquele que frequenta as rodas de samba, tira fotos com os e as sambistas para divulgar em suas redes sociais e diz amar o Carnaval, essa festa tão popular!

 

Link do Veto do Prefeito Eduardo Paes ao PL Nº 1829/2023

 

 

A Lei dos Mestres e um levantamento que a justifique

Conforme foi dito de início, uma parceria firmada entre o CCPBF e os dois fóruns que acompanham os marcos legais referentes às culturas populares, está dialogando com alguns mestre e mestras, no sentido de ponderar junto a esse, a relevância de uma lei que os contemple.

 

No levantamento feito entre os dias 10 e 22 de março, tiveram retorno de 37 mestres de folias de Reis, 13 mestres de capoeira, 03 mestras cirandeiras, 03 erveiras, um mestre griot e um brincante de Caxambu, todos e todas com idade acima de 50 anos e com mais de 20 anos de prática em seus respectivos segmentos.

 

Esse levantamento seguiu os critérios básicos das três propostas legais supracitadas, deixando claro o interesse desse segmento na efetiva execução da Lei dos Mestres e Mestras de Cultura Popular no âmbito do estado do Rio de Janeiro.

 

Desde 2020, quando a pandemia da Covid-19 colocou em risco milhões de idosos no Brasil, além de ceifar a vida de milhares nessa faixa etária, percebemos o quão frágil é a condição de vida de mestres e mestras que, quase em sua totalidade, vivem em condições precárias de subsistência. Muitos entre esses têm limitado acesso a informações que lhes garantam qualidade de vida, bem como ao que se refere à inclusão digital, o que impacta significativamente no acesso dos mesmos a editais públicos.

 

Estamos cientes que a ideia de Economia da Cultura é uma realidade que eleva o potencial de geração de renda no PIB nacional, ampliando a relevância do setor cultural, agregando relevância aos milhares de agentes culturais. No entanto, as culturas populares e tradicionais, sobretudo aquelas que se manifestam nas comunidades menos abastadas, não disputam a economia da cultura, o que leva produtores e demais profissionais do entretenimento a não priorizarem esse segmento em suas práticas profissionais, no que se refere a captação de recurso que garanta a subsistência de mestres e mestras.

 

Em muitos casos, sobretudo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, há dificuldades inclusive quanto à viabilidade de deslocamento de grupos que se expressam através de cortejos, como é o caso de bate-boleiros e foliões de Reis. Em relação a esses últimos, temos ainda a questão da violência urbana e a baixa sensação de segurança pública, impedindo que, em muitos casos, a devoção aos Reis chegue às casas dos devotos que, por sua vez, sempre foram importante fonte de renda, a partir das “ofertas” entregues aos mestres em gratidão pelas visitas e rezas.

 

Estado que tem muitas Culturas

O Estado do Rio de Janeiro tem uma variedade de comunidades tradicionais e povos originários que surpreende quem quer conhecer para além do Carnaval. São Folias de Reis e do Divino, são Serestas, grupos de Mineiro Pau, Jongos, Rodas de Capoeira, corais Guaranis e Cirandas caiçaras preservados pelas mestras e mestres espalhados em cidades históricas centenárias como Valença, Paraty, Angra dos Reis, Vassouras, Barra do Piraí, Conservatória, Rio das Flores e Petrópolis.

 

Atenta a essa diversidade cultural, a jovem deputada do PSOL, Dani Monteiro, conseguiu redigir, com o apoio de vários mestres e Mestras, o projeto de lei de Salvaguarda de Mestres e Mestras da Cultura, o PL 1321-A/2023, e que, segundo a assessoria da deputada, contou com a atenção da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro, SECEC RJ.

 

Link do PL 1321-A/2023

 

 

O PL 1321-A/2023 visava “garantir a aposentadoria de mestres e mestras que dedicaram suas vidas à cultura popular no estado do Rio de Janeiro” foi aprovado em meados de Dezembro na ALERJ e sancionado pelo atual governador do Estado do Rio de Janeiro, que, infelizmente, vetou os incisos II e III do Art. 9, considerados para a efetividade da Lei, conforme especificados à seguir:

“II - receber bolsa mensal, mediante recursos incentivados, no valor equivalente a:

a) no mínimo, 02 (dois) salários-mínimos nacionais para pessoas físicas; e

b) no mínimo, 03 (três) salários-mínimos nacionais para grupos;

 

III - ter prioridade na análise de projetos culturais apresentados à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, à Secretaria de Estado de Educação, à Secretaria de Estado de Esportes e Lazer, assim como a outros órgãos ou entidades integrantes da administração pública estadual.” 

 

A deputada Dani Monteiro pretende criar uma campanha popular este ano para derrubar os vetos do governador que pretendia gastar “apenas” 3 milhões de reais destinados à cultura para decorar o seu camarote na Marquês de Sapucaí, no Carnaval de 2024. 

 

Mestras e Mestres do Brasil

A ideia de Lei dos Mestres e Mestras da Cultura Popular e Tradicional não é uma novidade como política pública no Brasil.

 

A Lei Estadual nº 12.196, de 02 de maio de 2002, instituiu a concessão do título de Patrimônio Vivo do Estado Pernambuco (RPV-PE), que prevê o pagamento de uma pensão vitalícia para os mestres e ou grupos culturais, selecionados por meio de edital público, e são lançados anualmente desde então.

A Política dos Mestres da Cultura do Ceará, Lei 13.351/2003, completou 20 anos de existência em 2023. Em 2006 foi criada a Lei dos Tesouros Vivos, uma importante política que reconhece as pessoas naturais, os grupos e as coletividades dotadas de conhecimentos e técnicas de ações culturais cuja preservação e transmissão são reconhecidas e representativas da Cultura Cearense.

 

No Nordeste, a visibilidade e o respeito com os mestres e mestras é presente nos estados de Sergipe, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Maranhão. Na região Sudeste, apesar da riqueza cultural, gestores públicos ainda não se convenceram da importância dos mestres e mestras dos Congados, Moçambiques, das Folias de Reis e do Divino, da Catira, do Samba de Bumbo Paulista, da Capoeira e do Samba carioca.

 

Por fim, quando tomamos conhecimento da implementação da Política Nacional Aldir Blanc-PNAB, entendemos que essa seria uma oportunidade ímpar de garantir amparo financeiro a mestras e mestres das culturas populares e tradicionais, ao menos nos cinco anos de vigência dessa política. Nosso entendimento é que os erros do presente têm muito a ver com a precária compreensão de nosso passado, o que fatalmente compromete nossas identidades culturais no futuro.

 

Portanto, a inclusão de Mestres e Mestras na Política Nacional Aldir Blanc - PNAB, faz-se necessário para que a dívida histórica para com estes detentores e detentoras seja paga o quanto antes. Inclusão Já!

 

  

Notícias em destaque
Últimas notícias
Arquivo
Procurar por tags
bottom of page