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A presença das Mulheres nas Culturas Populares Brasileiras

Por Daraína Pregnolatto


Cláudia Regina Avelar Santos e Nadir Cruz, que comandam o Tambor de Crioula de Leonardo & Boi de Zabumba e o Boi e Tambor da Floresta de Mestre Apolônio, respectivamente.

Outro dia me peguei observando a pouca representatividade das mulheres em um encontro virtual de mestres e mestras das culturas populares brasileiras e passei a refletir sobre essa questão. De fato, e baseada principalmente em minha experiência e vivência com os grupos tradicionais do Maranhão, o que observo é que as mulheres formam a base fundamental de sustentação e manutenção das manifestações culturais populares de tradição oral e da sociedade de uma forma geral, sem exceção. Sem a presença organizadora e fomentadora das mulheres, as manifestações não teriam estrutura para funcionar da maneira como se mantém há tanto tempo. Mesmo em sociedades machistas, como é, no caso, a sociedade maranhense, o matriarcado é a forma que impera nas relações cotidianas, seja no dia a dia das residências, seja nas manifestações populares.


Em um tempo um pouco mais antigo, as mulheres, quando era permitido, podiam ser vistas no contexto dos bastidores das brincadeiras, organizando figurinos, adereços e alimentação para as festas, entre outras. Essas mulheres, no entanto, assumiam uma postura de "invisibilidade" ao se ausentar das brincadeiras e aceitar a participação ilimitada dos homens nos folguedos. À mulher cabia, por exemplo, aceitar que seus maridos passassem dias e noites de casa em casa participando das manifestações, mesmo que isso significasse sua ausência nos compromissos pessoais, domésticos e/ou de trabalho. Naquela época esse tipo de acontecimento era tido como "natural". Não me refiro aqui às comunidades mais ancestrais, como aldeias ou quilombos, porque realmente não saberia dizer como essa relação se dava, apesar de imaginar que a participação nesses tempos tendia a ser mais igualitária, mas isso é apenas especulação da minha parte.


Para se ter uma ideia, antigamente, no Maranhão, as mulheres que acompanhavam o cortejo do boi eram chamadas de "mutucas", fazendo alusão a esse inseto que segue o gado e eventualmente o ferroa com sua possante picada. Agora vejam bem que forma pejorativa de nominar essas mulheres que acompanhavam a brincadeira dando suporte ao grupo, levando bebidas, alimentos e suprindo o coletivo com outras necessidades que se mostrassem necessárias, como o próprio incentivo à manifestação, cantando e dançando enquanto acompanhavam a brincadeira. Eu mesma, que pude conviver de perto com esses grupos na década de 1980 e 1990, ficava muito incomodada com o tratamento que se dispensava a essas mulheres.


Nos grupos de bumba-meu-boi, por exemplo, são as mulheres que fazem tudo funcionar, desde a organização do espaço onde a brincadeira é sediada, que geralmente é sua própria casa, até a confecção dos figurinos e organização das festas e rituais. A maioria das vezes, essas mulheres eram as esposas dos líderes dos grupos e também na maioria das vezes, essas esposas eram sumariamente substituídas por outras mais jovens, sucessivamente. Independente de serem ex ou atuais esposas, elas continuavam em suas funções dentro do grande coletivo. Aparentemente uma relação saudável, só que não.


Mas claro que haviam exceções. Eu mesma conheci d. Elza, no interior de Tutóia, conhecida por "Rainha do Caroço", uma manifestação popular vinculada à cultura dos terreiros e às brincadeiras das caixeiras da festa do Divino Espírito Santo. D. Elza inventou e comandou essa manifestação em Tutóia Velha respondendo ao vínculo que ela mesma estabeleceu com a brincadeira desde sua infância. Em S. Luís, soube da existência de uma brincante de Tambor de Crioula que organizava um grupo para sua participação exclusiva, ou seja, ela comandava os homens (tamborzeiros) para tocar exclusivamente para si. Ela se apresentava sozinha pelas praças da cidade. Ainda em S. Luís, conheci também d. Terezinha Jansen, mulher independente que comandava e fez história à frente de dois grupos: um de bumba-meu-boi e outro de Tambor de Crioula.


No entanto, e felizmente, de 60 anos pra cá, aproximadamente, essa relação vem se alterando substancialmente. Cito alguns exemplos. No bumba-meu-boi, por exemplo, sotaque da Ilha, até a década de 1980, era inexistente a presença de "índias", um dos personagens que hoje em dia demonstram de maneira determinante, a presença e a força das mulheres nesse sotaque. Não é dizer que as mulheres não podiam participar da manifestação, muitas participavam, mas assumindo uma identidade masculina, por assim dizer, usando figurino de brincantes do cordão, se "escondendo" debaixo dos chapéus de fita, como todos os homens. A aparição das índias no Boi de Maracanã, o primeiro grupo a assumir essa personagem feminina, causou, à época, muita reação entre os brincantes. Já hoje em dia, até os bois que nunca tiveram a presença de índias, como os bois do sotaque de costa de mão, por exemplo, assumiram sua presença.


Há coisa de duas décadas, talvez, as mulheres começaram a assumir de frente e de forma bem mais determinante, o papel de liderança desses grupos, ocupando o lugar dos homens mais velhos da comunidade, seus pais e/ou avós, que partiram para outras dimensões cumprindo seu ciclo brincante aqui na Terra. Certa vez, conversando com Humberto do Maracanã, que foi amo/líder deste grupo por décadas, ele próprio admitiu que a presença das mulheres no grupo é muito melhor pois as mulheres são mais organizadas, conscientes e respeitosas. Ele, enquanto homem representante dessa sociedade machista, assumiu, espontaneamente, que os os homens se julgam superiores às mulheres e que este preconceito se estendeu de forma determinante às manifestações populares. Hoje em dia, e continuo falando da minha experiência com os grupos do Maranhão, essa conscientização das mulheres a respeito de seus lugares e importância fundamental na sociedade tem se refletido na forma como os grupos têm se organizado, trazendo o matriarcado, há tantos séculos escondido nas sombras da repressão patriarcal, à luz da criação feminina e acolhedora das mulheres brincantes. Atualmente são inúmeros os grupos comandados por mulheres. Benditas somos nós, as mulheres, e bendito é o fruto de nossos ventres, a luz!




Artigo de Daraína Pregnolatto educadora, brincante, consteladora sistêmica e coordenadora do Ponto de Cultura Quintal da Aldeia, Pirenópolis, GO.



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