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Nota sobre assassinato de lideranças Pataxó

Aos colegas da Rede Encontro de Saberes

Aos alunos e alunas do Cacique Nailton Pataxó Hã Hã Hãe na Terra Indígena Catarina Caramuru Paraguassu, na UFMG e no INCT de Inclusão (INCTI)/UnB

Aos programas de Pós-Graduação em Comunicação

Aos programas de Pós-Graduação em Antropologia


Às cidadãs e cidadãos brasileiros que desejam viver em país justo, respeitoso da Constituição Federal

Assistimos consternados na tarde de hoje, 21/01/2024, a mais um episódio nefasto da guerra pela terra no Brasil. Ao contrário de vários outros episódios que acontecem cotidianamente e que nos tocam por diversos pontos e chegam por diversos meios, dessa vez três lideranças indígenas do povo Pataxó Hã Hã Hãe foram baleadas, durante um ataque – com a presença da polícia militar – de fazendeiros de um grupo que se autodenomina Invasão Zero, na retomada do território Caramuru sobre a qual incide o município de Potiraguá, no extremo sul da Bahia.

O cacique Nailton Pataxó Hã Hã Hãe, doutor por Notório Saber em Comunicação Social pela UFMG, foi baleado e sua irmã, a pajé Nega Pataxó, foi assassinada. O enteado de Nailton, William, levou um tiro de raspão. Duas pessoas foram espancadas e uma mulher teve o braço quebrado. Outros feridos foram hospitalizados, mas não correm risco de vida.

Especificamente sobre o Dr. Nailton, vale dizer que a força, a perseverança em sua luta, é comprovada pelo sucesso da retomada de 54.105 hectares da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu. Liderança política e intelectual de convicção inabalável na legitimidade dos direitos de seu povo, assim como de todos os povos indígenas do Brasil, Nailton tem atuado durante décadas, e sobretudo no contexto da Constituinte em 1987 na defesa dos direitos humanos, com profunda sabedoria. Suas negociações e formas de comunicação estratégica e intermundos sempre foram orientadas por um espírito de preservação da vida e de justiça social, pelo conhecimento amplo e generoso elaborado numa cosmologia e espiritualidade vivenciadas em todas as circunstâncias, e pela necessidade de transmitir seus saberes e experiências para jovens lideranças. A atuação do cacique Nailton em busca de justiça e na retomada dos territórios de seu povo ensejou um verdadeiro debate interepistêmico, onde a cosmologia, a terra e o direito indígena se colocaram em relação com a justiça oficial, a formulação histórica sobre a ocupação do território brasileiro e as mais diversas formas de produção de presença nos campos de visibilidade hegemônicos, bem como em redes locais, comunitárias e digitais para combater os estigmas, os preconceitos e o racismo que, na guerra pela terra, se conectam de forma direta à insegurança jurídica do direito originário – haja visto o debate atual em torno da tese do Marco Temporal, que foi retomado por uma decisão do Congresso Brasileiro após ter sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

A Pajé Nega Muniz Pataxó nos deixa muito cedo. Empenhada na retomada – que não significa apenas a entrada na terra, mas sustentar e fertilizar a vida nela de novo e em longa duração – era liderança espiritual e realizava um trabalho muito importante de mobilização da juventude e de defesa das mulheres indígenas. A relevância desse trabalho ecoava não só no território Catarina Caramuru Paraguassu, mas em outras frentes, como no Acampamento Terra Livre e no INCT de Inclusão/UnB, onde ditou uma aula memorável, junto com os irmãos Nailton e Miguel.

De acordo com nota explicativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, "ruralistas da região cercaram a área com dezenas de caminhonetes, enquanto a polícia atirava contra os indígenas. Eles se mobilizaram através de um chamado de WhatsApp, que convocava os fazendeiros e comerciantes para realizar a reintegração de posse da fazenda com as próprias mãos. Dois fazendeiros foram presos por porte ilegal de arma. Um vídeo mostra os feridos no chão, ainda sem socorro, sendo cercados pelo grupo de ruralistas, que comemoravam a violência". A tecnologia de morte de supostas reintegrações de posse sem qualquer legalidade, age, dessa forma, de maneira sádica, inescrupulosa e mortífera contra o direito originário que, em face da omissão do Estado brasileiro, leva os indígenas à ação auto-organizada de auto-demarcação.

Redigimos o presente documento em solidariedade ao povo Pataxó Hã Hã Hãe, à família Muniz Pataxó, ao colega Dr. Cacique Nailton e, de modo especial, saudamos a história e a memória da pajé Nega Muniz Pataxó. Rogamos pela paz no Brasil e pela demarcação de terras indígenas e pela reforma agrária ampla como vias únicas de dar cabo à injustiça de uma guerra sem fim, disfarçada de paz.

José Jorge de Carvalho

Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI)-UnB

Luciana de Oliveira e César Geraldo Guimarães

Comissão Coordenadora da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG

Atenciosamente

Departamento de Antropologia

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Universidade de São Paulo

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